De que lado você está?

A maioria dos apaixonados pela Natureza, quando fala em Mata Atlântica, está se referindo à Serra da Mantiqueira, ou às montanhas de Florianópolis e da Serra do Tabuleiro, ou à Floresta da Tijuca, à Serra do Caparaó, alguma ilha de Mata de Araucárias no Sul, algum manguezal do Nordeste, Serra do Mar no Paraná, Fernando de Noronha… o que poucos se dão conta é que toda esta beleza natural, que ainda subsiste, são resquícios!

@planet_sacrednatureImagens gentilmente cedidas pela @planet_sacrednature

Resquícios de um tempo em que por aqui só viviam povos considerados atrasados pelo homem moderno, mas que viveram em harmonia com a Mãe Terra por milhares de anos, enquanto que a nossa civilização tecnológica não precisou muito mais que 500 deles para devastar quase 90% do bioma original. Em seu lugar estão as maiores cidades do país, 80% da produção econômica nacional e cerca de 72% da população brasileira.

Alguém com olhar menos criterioso pode se perguntar: então saímos ganhando? A melhor resposta é: depende do ponto de vista. E poderia ser complementada com outra pergunta: de que lado você está? Pois ou nos aliamos a uma cultura materialista e exploratória, invasiva e escravagista, que caminha rumo à autodestruição sem dar-se conta que o homem não pode existir separado do meio ambiente natural, o qual lhe provê elementos, para adjetivar de alguma forma, fundamentais: oxigênio, água e alimento (e, por mais incrível que possa parecer para a mente materialista, gratuitamente – por obra da Graça); ou, do outro lado, nos aliamos a uma cultura emergente, que amplia sua consciência em direção à Unidade da Vida, e que se conhece como parte de um Grande Todo, composto pelos quatro Reinos da Natureza – uma cultura em que se sabe que toda ação tem uma reação, que pequenas atitudes podem ter um grande impacto de transformação se são realizadas na sintonia correta, que existe algo que transcende a vida material e que interconecta todos os seres, em uma grande rede planetária (o que é confirmado pelo mais moderno ramo da Física: a Quântica).

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Quem já tomou contato com os textos de Padre Anchieta, do século XVI, pode vislumbrar a riqueza da biodiversidade deste continente na época da chegada dos primeiros europeus. Ele relata uma infinidade de espécies vegetais, e uma enorme quantidade de cores além do imenso manto verde que recobria a costa do Oceano Atlântico, expressas em flores e animais os mais variados: descreve onças, tamanduás, antas, serpentes, peixes, pássaros… quantos podem dizer, hoje em dia, que já viram um animal selvagem vivendo em seu habitat natural? Ou eles são conhecidos por meio de vídeos, ou – o que é pior – nos zoológicos. Ficamos por aqui para não falar em tráfico de animais.

Partindo deste extremo de exuberância, biodiversidade e multiplicidade da vida em outros tempos, vivemos hoje em outro extremo, de solos empobrecidos, os quais são dependentes de produtos químicos para poderem desenvolver os vegetais (é usada a palavra “desenvolver”, e não “nutrir”), de águas contaminadas, de ar poluído, desmatamento, montanhas depredadas, vida em extinção. Somos vítimas inconscientes da nossa própria ignorância a respeito da Unidade da Vida, pois todo o mal que fazemos ao meio ambiente natural que nos cerca reflete-se na nossa qualidade de vida, em formas que muitas vezes não associamos a isto, como o câncer e outras doenças degenerativas.

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Mas há outra forma de fazer a experiência da vida sobre a Terra. Há outra forma de relacionar-se com o mundo que nos cerca. As palavras do cacique Seatlle, em 1855, já fizeram eco em muitas consciências, que despertaram e buscam atuar como anticorpos em um organismo doente, febril, que começa a convulsionar. Somos os causadores da enfermidade do nosso planeta, mas também podemos ser a cura. Tudo começa com uma reflexão e um posicionamento: de que lado você está?

Em certa quadra do ano apanha-se uma infinita quantidade de peixes; a isso os Indios chamam pirá-iquê, isto é, “entrada dos peixes”; porquanto vem inumeros deles de diversas partes do mar, entram para os lugares estreitos e de pouco fundo do mar, afim de pôrem as ovas.

Ha igualmente lagartos que vivem do mesmo modo em rios, e a que chamam jacaré. (…)

Ha tambem outros animais do genero anfíbio, chamados capiyûára, isto é, “que pastam ervas”, pouco diferentes dos porcos (…)

Ha muitas lontras, que vivem nos rios (…)

Seria fastidioso referir os generos dos caranguejos, e suas variedades e diversas fórmas. (…)

Até aqui tenho falado dos animais que vivem na agua; tratarei agora dos terrestres, alguns dos quais são desconhecidos dessa parte do mundo. Primeiramente direi das diversas especies de cobras venenosas.

Algumas, chamadas jararacas, abundam nos campos, nas matas e até mesmo nas casas, onde muitas vezes as encontramos (…)

A outra variedade denominambóicininga, que quer dizer, “cobra que tine”, porque tem na cauda uma especie de chocalho (…)

Ha tambem outras admiravelmente pintadas de várias côres, de preto, de branco, de encarnado semelhante ao coral (…)

Ha tambem outras, que são denominadas pelos lndiosbóiguatiára, isto é, “cobras pintadas”, por causa das suas diversas variedades de pintura (…)

O que direi das aranhas, cuja multidão não tem conta? Umas são um pouco ruivas, outras côr de terra, outras pintadas, todas cabeludas; julgarias que são caranguejos, tal é o tamanho do seu corpo (…)

Encontram-se tambem entre nós as panteras, das quais ha duas variedades: umas são côr de veado, menores essas e mais bravias; outras são malhadas e pintadas de várias cores:destas encontramse em todos os lugares (…)

Existem aqui tambem outros animais (querem que sejam leões), do mesmo modo ferozes, porém mais raros.

Ha tambem outro animal de feio aspeto, a que os Indios chamam tamanduá. (…)

Ha outro animal, bastante frequente, proprio para se comer, chamado pelos Indiostapiírae pelos espanhois “anta” (…)

Há outro animal que os Indios chamam aige nós “priguiça”, por causa da sua excessiva lentidão em mover-se (…)

Ha tambem outro semelhante a uma pequena raposa e ao qual os Indios chamam sariquéa, que exala muito mau cheiro e gosta
muito de comer galinhas (…)

Existem tambem certos pequenos animais do genero dos ouriços, cobertos de cerdas compridas e mui agudas (…)

Ha uma infinita multidão de macacos dos quais se contam quatro variedades (…)

Existe também outro animal muito comum entre nós, chamam-o tatú, que habita pelos campos em covas subterrâneas (…)

Dois generos ha de veados; uns como os nossos de chifres; êstes, são, porém, raros, outros, de côr branca, sem chifres, e que nunca entram nos matos, antes pastam sempre em magotes pelas planicies.

Ha abundante multidão de gatos monteses muito ligeiros, de gamos, de javalis, dos quais ha várias especies.

Encontram-se muitos outros animais de diversos generos, que entendi dever omitir, por não serem dignos de saber-se, nem de contar-se.

Seria muito dificil representar por palavras as diversas especies de formigas, das quais ha várias naturezas e nomes; o que, di-lo-ei depassagem, é muito usual na linguabrasilica, por isso que dão diversos nomes ás diversas especies e raras vezes os generos são conhecidos por uma denominação propria; assim, não ha nome genérico da formiga, do caranguejo, do rato e de muitos outros animais; das especies, porém, que são quasi infinitas, nenhuma deixa de ter o seu nome proprio, de maneira que com razão te admirarias de tão grande cópia e variedade de palavras. (…)

Encontram-se quasi vinte especies diversas de abelhas, das quais umas fabricam o mel nos troncos das árvores, outras em cortiços construido entre os ramos, outras debaixo da terra (…)

Ha pelo mato grande cópia de moscas e mosquitos, os quais, sugando-nos o sangue, mordem cruelmente, maximé no verão, quando os campos estão alagados (…)

Outros chamados mariguî, e que habitam á beira-mar, são uma praga terrível (…)

Em verdade, não é facil dizer quanta diversidade ha de aves ornadas de várias côres. Os papagaios são mais comuns aqui do que os corvos, e de diferentes especies (…)

Ha tambem avestruzes, que não podem voar por causa do extraordinario tamanho do corpo (…)

Ha ainda outros passarinhos, chamados guainumbi, os mais pequenos de todos (…)

Ha outro passaro semelhante ao corvo, parecido com o ganso por causa do bico, o qual mergulhando nos rios, está muito tempo debaixo dagua a comer peixes.

Ha tambem outro, de menor corço, mas, quando sacode as asas faz tanto barulho, que as árvores parece que caem por terra.

Ha ainda uma ave marinha, por nome guará, igual ao mergulhão, porém de pernas mais compridas, de pescoço igualmente alongado, de bico comprido e adunco (…)

Ha ainda outra ave marinha semelhante áádem, que, em lugar de asas, tem pequenos membros, vestidos de macia penugem; tem os pés quasi na cauda, de maneira que não podem sustentar o corpo e só lhe servem para nadar, quando ela não póde voar nem andar.

Das aves de rapina ha muitas especies, das quais algumas são de tal tamanho que matam e despedaçam até veados (…)

Ha outra ave que se chama anhima, muito grande; quando grita parece o zurrar de um asno. (…)

Ha ainda galinhas silvestres, das quais se contam três especies: perdizes; faisões; e outras aves todas côr de purpura, outras verdes, outras pardacentas, vistosas na sua multiplice variedade de cores. Isto quanto aos animais.

Das ervas e árvores não quero deixar de dizer isto, que as raizes a que chamam mandioca, de que nos utilizamos como alimento são venenosas e nocivas por natureza, se não forem preparadas pela indústria humana para se comerem (…)

Ha outras raizes chamadasyeticopê, semelhantes ao rabão, deagradavel sabor, muito apropriadas para acalmar a tosse e molificar o peito. (…)

Entre outras, ha aqui certa erva espalhada por toda a parte e que muitas vezes vimos e tocámos, a que chamamos viva, porque parece ter tal ou qual sentimento: pois, se a tocares de leve com a mão ou com qualquer outra cousa, imediatamente as suas folhas, fechando-se sôbre si mesmas, se ajuntam e como que se grudam; depois, daí a pouco tornam a abrir-se.

Das árvores uma parece digna de notícia, da qual, ainda que outras haja que distilam um líquido semelhante á resina, util para remédio, escorre um suco suavissimo, que pretendem seja o balsamo, que a princípio corre como oleo por pequenos furos (…) exala um cheiro muito forte, porém suavissimo e é otimo para curar feridas (…)

Na povoação que se chama Espirito Santo é muito comum uma certa árvore muito alta, cujo fruto é admiravel. (…)

Ha, além disso, pinheiros de altura estupenda; propagam profusamente ocupando o espaço de seis ou sete milhas. (…)

Ha diversas árvores de frutos excelentes para comer-se, muitos de suavíssimo cheiro, e de mui deleitavel sabor.

Uteis á medicina não ha só muitas árvores, como raizes de plantas (…)

Ha uma certa árvore, de cuja casca cortada com faca, ou do galho quebrado, corre um líquido branco como leite, porém mais denso, o qual, se se beber em pequena porção, relaxa o ventre e limpa o estomago por violentos vomitos: por pouco, porém que exceda na dose, mata. (…)

Ha uma certa raiz, abundante nos campos, utilissima para o mesmo fim (…)

Até nas pedras se encontra o que admirar e com que exaltar a onipotencia do supremo e otimo Deus (…)

Encontram-se em certo rio habitado pelos inimigos, a umas 50 milhas de Piratininga, muitas conchas, nas quais se criam certas pedrinhas transparentes, que querem sejam perolas (…)

Isto é quanto me ocorre dizer das árvores, plantas e pedras. (…)

Dêstes Brasis direi, em último lugar, que quasi nenhum se encontra entre eles afetado de deformidade alguma natural; acha-se raramente um cego, um surdo, um mudo ou um coxo, nenhum nascido fóra de tempo. (…)

Narrei essas cousas brevemente, como pude, posto que não duvides que haja muitas outras dignas de menção, que são desconhecidas a nós, ainda aqui pouco praticos. (…)

Escrito em São Vicente, que é a última povoação dos Portugueses na India Brasilica voltada para o Sul, no ano do Senhor 1560, no fim do mês de Maio.

O minimo da Companhia de Jesus

…) Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo.Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la ele vai embora. (…) Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. (…)

(…) O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro. (…)

(…) Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.