Os três pilares do Manual Esfera
A segunda reportagem da série sobre o Manual Esfera trata de questões que ajudam a compor o arcabouço ético e jurídico sob o qual se abrigam as organizações envolvidas nas respostas humanitárias às crises. Os documentos ajudam os atores humanitários a definir as próprias responsabilidades, elaborar indicadores e métricas de desempenho e fazer a prestação de contas aos doadores, governos, comunidades impactadas, às demais organizações envolvidas no trabalho e, também, internamente.
Desde a sua criação, o Manual Esfera tem por pilares de sustentação a Carta Humanitária, os Princípios de Proteção e a Norma Humanitária Essencial. Juntos, eles compõem a essência das ações defendidas pela Esfera.
Carta Humanitária
O documento é a pedra angular do manual e está baseado em princípios éticos e jurídicos (como a Carta das Nações Unidas; a Declaração dos Direitos Humanos; a Convenção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Estatuto dos Refugiados; entre outras centenas de tratados regionais) que vão pautar as ações das organizações nas respostas humanitárias.
A Carta Humanitária é a base do compromisso assumido pelas organizações humanitárias que integram ou comungam dos mesmos conceitos da Esfera e um convite a todos os envolvidos em ações humanitárias para que adotem esses princípios. Dentre os princípios, direitos e obrigações comuns estão:
- o direito de viver com dignidade;
- o direito de receber assistência humanitária;
- o direito à proteção e segurança.
Princípios de Proteção
Para que a resposta humanitária seja eficiente, o Manual lista quatro princípios que se aplicam a todas as ações humanitárias e todos os atores humanitários:
- Fortalecer a segurança, a dignidade e os direitos das pessoas, e evitar expô-las a danos.
- Garantir que as pessoas tenham acesso à assistência de acordo com suas necessidades e sem discriminação.
- Ajudar as pessoas a se recuperarem dos efeitos físicos e psicológicos da violência real ou da ameaça de violência, coerção ou privação deliberada.
- Ajudar as pessoas a reivindicar seus direitos.
Norma Humanitária Essencial
A Norma Humanitária Essencial, por sua vez, refere-se à qualidade e à responsabilidade que pessoas e organizações envolvidas na resposta humanitária podem – e devem – adotar para dar qualidade e eficácia aos cuidados que prestam às vítimas de crises e conflitos. No total, são nove compromissos, baseados em princípios de humanidade, imparcialidade, independência e neutralidade. A norma também traz métricas para facilitar a prestação de contas às comunidades e indivíduos afetados por uma crise humanitária. (veja no Quadro)
QUADRO 2 NORMA HUMANITÁRIA ESSENCIAL – 9 COMPROMISSOS
1 – A ajuda é adequada às necessidades das pessoas e comunidades afetadas.
2 – A resposta humanitária é eficaz e fornecida no momento certo.
3 – A resposta humanitária não pode ser prejudicial.
4 – A resposta humanitária é baseada na participação e no feedback das comunidades e pessoas afetadas.
5 – As reclamações são bem recebidas e gerenciadas.
6 – A resposta humanitária é coordenada e complementar.
7 – As organizações estão em processo de aprendizagem constante para melhorar a assistência às comunidades e as pessoas afetadas.
8 – Funcionários e voluntários das organizações contam com suporte para fazer seu trabalho com eficiência e competência.
9 – Os recursos são geridos e usados de maneira responsável e ética para as finalidades propostas.
Missões Humanitárias
O conjunto de normas, técnicas e ensinamentos elencados no Manual Esfera compõe um arcabouço de ações que fazem frente à necessidade de adoção de medidas ousadas e transformadoras para atender às demandas das populações impactadas por crises e conflitos ao redor do mundo. A Fraternidade – Federação Humanitária Internacional (FFHI) realizou 23 missões humanitárias nacionais e internacionais. A mais desafiadora tem sido a crise venezuelana, que já provocou o maior êxodo da história recente da América Latina. A ONU estima que mais de 4,7 milhões de venezuelanos deixaram o país.
Boa parte dessas pessoas procuram refúgio no Brasil, onde a Fraternidade – Humanitária (FFHI) trabalha em parceria com o ACNUR para minorar o sofrimento dos cidadãos venezuelanos. Desde janeiro, o Brasil se tornou o país com o maior número de venezuelanos com status legal de refugiado na América Latina, em ação na qual o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) reconheceu um total de 37 mil pessoas nessa situação. Parece muito, mas os números tendem a ser ainda maiores. As autoridades brasileiras estimam que cerca de 264 mil venezuelanos vivem atualmente no país. Além disso, 500 venezuelanos continuam a atravessar, todos os dias, a fronteira com o Brasil no estado de Roraima.